…………. en una Laguna oscura se complació mi cuerpo.
Passos cambaleante, ombros curvados e a cabeça baixa traduziam seu estado de espírito. Andava a esmo, sem propósito, sem destino, sem direção. Instintivamente buscava os cantos menos iluminados da rua. Como buscando abrigo, encostava-se na parede, e a fricção contra o tecido rústico de sua camisa produzia um som rascante e obsessivo: rasc, rasc, rasc, rasc. Inesperadamente lhe faltou o apoio da parede porque surgiu uma ruazinha transversal. Isto o despertou daquele torpor. Por um longo momento ficou ali, de pé, as mão enfiadas nos bolsos do jeans puído, os olhos, ora na rua ora nas pontas das botas que já andara mais de trezentas léguas. A ruazinha lhe atraiu. Era estreita e não se podia ver nada além dos poucos metros abarcados por uma luz bruxuleante e amarelada, balançando no meio de um poste perigosamente inclinado, quase se encostando à parede da extremidade esquerda. Irresolutamente começou a caminhar rumo ao breu além do halo de luz. A passagem por debaixo do foco amarelado da lâmpada do poste, o fez piscar algumas vezes. Quando percebeu, já havia passado do âmbito iluminado. Encontrava-se, agora, cercado por uma bruma envolvente. Buscando orientação, voltou o olhar para trás e pôde ver o facho de luz que antes perpassara, apenas lhe parecendo mais ao longe, mais distante do que imaginava. Subitamente, pelo rabo do olho, percebeu à frente, talvez uma centena de metros adiante, um lanho luminoso semelhante a uma grande faca que feria a ruazinha de uma ponta a outra da calçada. Com a curiosidade espicaçada, iniciou uma lenta aproximação daquela luz cambiante, às vezes violeta, às vezes avermelhada. A luz era oriunda de uma porta semi- aberta, uma grande porta, parecendo de madeira escura e talhada com motivos góticos, encimada por letras ordenadas de tal jeito que lhe pareceu algarismos romanos, e, contudo, não pôde precisar qual apesar de ter algum conhecimento a respeito. Sem saber por que o fazia, empurrou a pesada porta que se abriu lenta e maciamente, sem nenhum ruído. O ambiente interior era uma profusão de estantes, papéis, brochuras, mesinhas de formatos inusitados, ladeando uma mesa maior onde estavam dispostos aleatoriamente um candelabro de três pontos e inúmeros tinteiros, cada uma dessas peças parecendo mais velha que a outra. No ar, um odor azedo, adstringente. E livros, muitos livros de diversos tamanhos e formatos, mas, todos encadernados com o mesmo tipo de tecido da mesma cor encardida. Destruindo uma pequena teia de aranha, pegou um exemplar tão semelhante a outro como qualquer um, na estante mais próxima. Amava os livros. Na verdade, seu atual estado de ânimo se devia a algo correlacionado a isto. Há muito vinha tentando estabelecer-se como escritor. Sonhava com um livro de contos de sua autoria, e até havia conseguido publicar alguns contos isolados, com relativo sucesso de crítica. O público não se dera conta dos seus trabalhos, e ‘este fora o motivo do editor para recusar outras publicações suas. O pior ficou por conta da humilhação de ter que aceitar qualquer valor pelas suas obras, engolindo o orgulho. Precisava comer, pelo menos. Mas não desistiria. Ainda acertaria num veio riquíssimo de inspiração e produziria contos com a empatia necessária com o leitor, e aquele editor de merda imploraria para publicá-Ios.
– “Esse livro é justamente o que você está precisando”. A voz ciciante causou-lhe sobressalto. Não percebera a aproximação entretido nas suas divagações, e agora, aparvalhado, olhava naquela face encavada e pálida que rematava um corpo alto e esguio, parecendo embrulhado por roupas indefinidas de cor preta. O queixo era pontiagudo, composto por uma barbicha lanciforme, ladeada por costeletas ralas e cabelos esparsos que deixavam entrever um couro cabeludo luzidio, quase transparente. Buscou os olhos do interlocutor, deparando-se com dois poços gélidos, sem vida, o que lhe causou um fremir na nuca. De súbito, uma premência para sair daquele recinto. Sair, ir embora dali. Perguntou, apressadamente, quanto custava o livro. “Ele cobrará seu preço”, respondeu o sujeito. Projetou-se porta a fora cumprindo toda extensão da ruazinha de um só fôlego. Chegou em casa e atirou-se na cama de roupa e tudo, dormindo um sono atribulado, confuso e povoado de pesadelos estranhos. Acordou, e a primeira coisa que viu foi o livro. Sentou-se na borda da cama e não sabe quanto tempo ficou olhando para ele, até que decidir-se por abri-lo’ Na primeira página havia apenas uma frase: “Do pó tu vieste …..” Folheou o restante. Todas as páginas eram assim, apenas uma frase, uma linha, bem no meio da página. Não conseguiu chegar na ultima. Uma vontade incontrolável de escrever se apoderou dele, e foi em busca da prancheta e do lápis que usava, pois não se acostumara com o computador. Escreveu um conto usando a primeira frase como tema, escreveu um segundo com base na frase da segunda página, e assim por diante. As palavras fluíam, saltavam do seu lápis para o papel como se estivessem ali todo o sempre, e ele tinha que fazer um esforço hercúleo para interromper a escrita, para logo depois ser compelido a escrever, novamente, a partir da frase da página seguinte. Foi assim até que um cansaço estranho o fez parar. Ato contínuo pegou todos os originais, sem revisá-Ios ou outro cuidado qualquer, e levou-os ao editor. Esperava alguma reticência, alguma argumentação, mas, surpreendentemente, ele acolheu as laudas prometendo examiná-Ias com atenção ainda naquele dia.
O resto do tempo foi de expectativa, os ouvidos ·atentos esperando o toque do telefone. Seis horas da tarde. O ruído digital da campanhia do telefone reverberou no quarto silente. Era o editor. Comunicava que a equipe gostara muito de seus contos e iria publicá-Ios imediatamente. Exultante, começou a andar de um lado para outro, quando notou um tipo de pó desenhando seu rastro. Assustado, suspendeu as pernas das calças e pode notar que, do tornozelo para baixo, seus dois membros estavam produzindo aquele pó. Apalpando os músculos longamente, não sentiu dor alguma, nada! Concluiu que teria que ir a um médico. Nunca foi. A publicação foi um sucesso total. As edições esgotaram-se rapidamente, o público e o editor exigiram novos contos, e ele voltou para as frases do livro, consumindo linha após linha, apesar de notar que, a cada linha consumi da, se consumia também. Com o dinheiro ganho com seus contos, comprou uma casa nova e contratou um criado, surdo e mudo para auxiliá-lo e empurrar a cadeira de rodas que teve de usar quando suas pernas foram pulverizadas totalmente. Sempre que precisava do livro, o criado o trazia em uma bandeja de prata espelhada que comprara exclusivamente para isto. A premência de escrever por necessidade havia acabado. Agora tinha mais dinheiro do que havia sonhado. Restava aquela outra, que o impelia a consumir as frases do livro às vezes duas ou mais por dia. Tomado por um frenesi, chamou o criado e ordenou que o desnudasse. Mandou vir o livro, a prancheta e o lápis, e começou a escrever usando as frases escritas nas páginas. Tinha que chegar ao final. Na sua atribulação, meio que notava seu corpo se espargindo em nano partículas, pulverizando o ambiente com sua matéria atomizada. Abriu a última página, mas não pôde escrever mais nada. O lápis rolou para a mesa e daí para o chão, pois a mão que o segurava agora era pó e deslizava rumo ao assoalho também. O criado adentrou a sala. Por breve momento antes de fechar o livro para levá-lo dali, olhou a página aberta onde estava grafado unicamente: ” ao pó retomarás.”
ACAF. 22/10/2011
A amizade é como uma biblioteca repleta de livros, vários são os conteúdos, multifacetados em suas dimensões. Mas cada um tem sua peculiaridade, de forma que marca o leitor. Assim temos muitos amigos, mas tem amizades que deixam marcas.
Conhecer Argôlo, não foi simplesmente cumprir uma rotina de oito semestre, e sim, desfrutar de um conhecimento único, sedimentado com uma vasta experiência que de forma simples e objetiva o destacava diante de todos.
Quando construímos uma amizade, muitas das vezes não fazemos festa, mas quando a perdemos, tão grande é a tristeza.
Não foi só ele que partiu, mas também, a sabedoria de um memorável amigo.
Ass. G. P
Ao pó! Nos leva a reflexão da transitoriedade humana e sobre a urgência da vida, pois quando nascemos ampulhetas , virados somos! Sinto a felicidade de ver como o primo Toínho era tão avant-guard na pena como no coloquial, e saudade se faz presente naquela promessa que leríamos obras um do outro. E as muitas vezes que ele reclamava sobre não conseguir escrever sobre nossos velhos, pois devido a densidade de suas vidas eles sempre sequestravam o papel principal do conto, protagonizando com força tal, que bem melhor seria escrever foi contos! Saudades eternas do primo e agradeço por todas as vezes que sua alquimia literária transformou meu semblante de cinza-nublado para azul ensolarado!
Foi= dois contos